m nossos mais íntimos sentimentos, quantas
crenças, quantas verdades, quantas ideias e quantas virtudes sabemos não
possuir? Essa certeza, que aflige o coração dos homens de bem, é também a
alavanca que impulsiona o crescimento, o desbastar da brutalidade e da
insensibilidade do homem para obtenção da polidez necessária para agirmos de
forma sincera e dentro da ética e da moral que nos propõe a vida
civilizada.Essa mesma certeza, entretanto, é muitas vezes mascarada por nossas
palavras e ações.Somos nós capazes de nos mostrar, sinceramente, sem máscaras?
Claro que não há preocupação nesse sentido se não estivermos buscando
melhorar e, se este for o seu caso, nem termine de ler.Quando falamos ou agimos
contra nossas crenças, verdades e ideias íntimas estamos sendo
hipócritas.Hipocrisia não é uma virtude, mas é um dom que todos temos.
Lembrando: dons não são bons ou ruins, são somente dons.François duc de la
Rochefoucauld disse: "A Hipocrisia é a Homenagem que o Vício presta à
Virtude". O que ele quis dizer? Que a Hipocrisia é falsa em si mesma,
transformando para o mundo externo (ao nosso Eu interior) nossos Vícios em
Virtudes.No entendimento de Rochefoucauld, então, Hipocrisia é fingimento, é
mentira.Por pura lógica: hipocrisia é errada. Terrível lidar com essa realidade
pois, com certeza, conhecemos ou até vivemos uma ou outra situação
semelhante.Necessário lidar com essa realidade pois não há como fugir do mundo
ou de nós mesmos.Importante entender essa realidade. E cada um irá entendê-la
da sua própria forma. Mas eu gostaria de oferecer uma forma mais branda, menos agressiva porém mais crítica,
talvez.No meu entendimento há duas classes de hipócritas: um é o hipócrita que se aproveita de sua hipocrisia para obter status
ou benefícios mundanos, o outro é o hipócrita que, preso ainda a seus vícios,
ideias, crenças e verdades deturpadas está em busca de melhorar, de se
"polir".Ao primeiro, desprezo.Ao segundo,
tolerância.Tolerância, pois a nobre busca pela melhoria faz parte do aprendizado
de cada um. E quem deseja, sinceramente, melhorar, merece tolerância, merece
respeito.Assim, a Hipocrisia e o Aprendizado podem caminhar juntos, podem se
complementar, pois o primeiro tende a diminuir e o segundo é o resultado de um
coração que se reconhece e, como dito anteriormente, essa certeza é também a
alavanca que impulsiona o crescimento interno.Reconhecendo a tentativa de
aprendizado apesar da hipocrisia, não estaríamos sendo hipócritas se não
tolerássemos e tentássemos, dentro de nossas possibilidades, auxiliar aqueles
que assim agem?Ao entender que outro age de forma deplorável para nós, porém
enxergando a tentativa de melhorar por parte dele, se o ignorarmos, agredirmos,
humilharmos ou desprezarmos não estaremos agindo de forma ainda mais lamentável?Antes
de julgar, antes de acreditar que alguém está sendo hipócrita, devemos separar
a hipocrisia e a auto preservação. Nem sempre nossas fragilidades podem ser
expostas sem que haja uma consequência funesta. O fato de que somos julgados
constantemente não nos permite exibir nosso verdadeiro eu e, para preservarmos
nossa integridade precisamos ocultar certas fragilidades. Isso é muito
diferente de divulgar virtudes que não possuímos.As máscaras que usamos, quando
não mudam o que somos, apenas ocultam, é "preservação",
"proteção". Mas quando usamos máscaras que divulgam mentiras, aí sim
somos hipócritas.Invariavelmente pessoas que utilizam a hipocrisia como forma
de vida perdem as máscaras no caminho, e normalmente o emprego, às vezes os
amigos, de vez em quando até a família. Críticas devem sempre ser encabeçadas
pela análise de si próprio e sempre finalizadas com a mensagem de incentivo na
melhora. Assim sendo, nos melhoramos, ajudamos outros a se melhorar e
encorajamos a mudança de comportamento. Se não for assim, melhor manter-se
calado.Olhemos então para dentro de nós mesmos e procuremos nossos vícios,
nossas crenças, verdades e ideias que ainda estão arraigadas em nós. Vamos
certamente encontrar vários problemas... e conseguiremos nos ver por várias
vezes exaltando virtudes que não temos para obter um sucesso que não nos
pertence. Mais vale trabalhar para extinguir nossos vícios e, caminhando,
sermos dignos das virtudes que obtivermos. E quando isso acontecer,
perceberemos que não precisamos divulgar tais virtudes pois que serão inerentes
ao nosso ser.
Alexandre Aschenbach